Caminhava sem rumo quando percebi. Na verdade tinha sim um
destino a alcançar, como todas aquelas pessoas que andavam ao meu lado. Todas
ligadas com seus afazeres apenas percorrendo o mesmo caminho que eu. Percebi
aquela grande massa sem cor em movimento. Voltada para si, ela apensa se movia
para o próximo objetivo, e apenas isso. Eu fazia parte daquela massa escura e
desfocada. Sua aparência era agradável aos meus olhos e eu achava que me
mostrava o que eu deveria ver.
Apenas caminhávamos, unidos por uma só direção, ou não. Tínhamos
nossos próprios objetivos e às vezes compartilhávamos inconscientemente alguns
deles. Eu mesmo escutava música enquanto caminhava. Costumava me distrair me
inserindo em um mundo agradável a minha mente enquanto que meu corpo caminhava.
Às vezes observava a direção. O movimento. A cor. Apenas
observava, de relance, a ação escolhida por nós. E foi de relance, durante um
desses olhares frustrados, que vi o diferente, uma anomalia.
Começou com um olhar e em seguida a parada brusca. Ele encarava
algo a sua frente que eu era incapaz de enxergar. De repente a ação. Começou
com passos lentos e curtos, mas percebi que estava acelerando e de repente, corria.
Belo, parecia deslizar por sobre a calçada e cada passo
enaltecia sua postura, como uma dança. Parecia estar possuído por uma energia
incontrolável, capaz de destruir a mais alta e resistente barreira. Ele
deslizava por entre as pessoas. Esguio, ignorava a massa, e o encontro delas, a
sua frente.
Passava pelas pessoas, caixas de correio, carros
estacionados, ignorava a presença deles, e como se os odiasse, parecia
considera-los apenas objetos a serem transpostos. Nos olhos, a ira de fazer
parte, indesejavelmente, daquilo. A força que lhe movia no sentido oposto do
fluxo. Fluxo que impediria qualquer um de agir daquela maneira. Era como água
traçando seu curso para o mar. Fluindo por quem lhe obstruía a passagem, e
mostrando que até mesmo ele era capaz de se voltar contra aquilo tudo.
De repente ele foi parando, até estar totalmente inerte. Ele
olhou para trás e viu o que tinha conseguido correr. Ofegante, seu corpo se
queixava da não prática daquilo. O tempo que passou quieto tinha afetado todo o
seu corpo. Ele não foi capaz de vencê-los. Além disso, ele não foi nem sequer
notado. Tratado como minoria e ignorado. Aquela massa sem cor já havia decidido
que não se importaria. Já o tinham classificado.
No final, um sorriso.
Vi a satisfação de, por apenas por aqueles segundos, ele ter
sido capaz de sobrepô-los.
Ele tinha considerado o que tinha feito por si e não o que
tinha feito como massa, e aquilo o deixava feliz. Será mesmo que devemos,
melhor, que podemos, nos rebelar contra a lógica das nossas vidas, nem que seja
por alguns segundos?
Aquele desconhecido tinha me mostrado que sim, que sua bela
corrida enaltecia sua movimentação como um todo e o enaltecia como agente
isolado.
Mas seu rosto demonstrava mais que isso. Demonstrava alegria
e prazer por ser capaz de agir. E mostrava pena para aquela massa que mesmo em
seu movimento era inerte, e que em toda sua beleza era sem cor.
No final achei que ficaria triste por voltar a fazer parte
daquilo que tanto desprezava. Mas me surpreendi, ainda mais, devo acrescentar,
ao ver o seu rosto alegre. Ele olhou para frente e então, caminhando,
desapareceu no meio daquela gente cinza.
Não entendi de imediato mas quando alguém esbarrou em mim e
reclamou, percebi que estava parado no meio da calçada e atrapalhava a passagem.
Pedi desculpas para o estranho e me pus a andar. Sem os
fones no ouvido, escutava o movimento uniforme daquela gente, e acho que o meu
movimento também.
Uillan Eduardo